02 setembro, 2007

Voyagers 1 e 2: 30 anos viajando no espaço

Duas naves espaciais voam há 30 anos, afastando-se gradualmente do Sistema Solar, mas ainda funcionam, estabelecendo comunicação com a Terra. As naves Voyager 1 e 2 foram lançadas em agosto e setembro de 1977 com o objetivo de fornecer informações sobre planetas como Júpiter, Saturno, Urano e Netuno.
Hoje a Voyager 2 está a 12,5 bilhões de quilômetros e a Voyager 1 a 15,5 bilhões de distância do Sol, numa região que marca a fronteira entre o Sistema Solar e o espaço interestelar. Ambas espaçonaves carregam instrumentos científicos que permitem estudar o vento solar, campos magnéticos e ondas de rádio enquanto cruzam por uma região do universo onde nenhum ser humano ou espaçonave jamais esteve.
As naves Voyager estão longe demais para usar energia solar. Elas consomem o equivalente a uma lâmpada de 300 watts e retiram sua energia de geradores termoelétricos de radioisótopos, uma espécie de bateria de longa duração. As Voyager estão tão longe da Terra que os comandos enviados pela NASA, mesmo viajando à velocidade da luz, demoram 14 horas para chegar até a Voyager 1 e 12 horas para alcançar a Voyager 2.
Ambas espaçonaves transportam uma cápsula do tempo com saudações, imagens e sons da Terra, incluindo orientações sobre como chegar ao nosso planeta, caso sejam recuperadas por alguma civilização extraterrestre. Por enquanto, elas seguem solitárias, na imensidão do espaço sideral. Um dia, daqui a alguns bilhões de anos, quando o Sistema Solar se desfizer, naves como as Voyager 1 e 2 provavelmente sejam os únicos registros de que houve um lugar chamado Terra e uma civilização humana. E eu fico me perguntando se haverá alguém que lerá as mensagens que lançamos em nosso infinito oceano-universo...
Maiores informações a respeito podem ser conferidas no site da NASA.

29 julho, 2007

Cabo Verde

Sal, Maio, Fogo. Que sabemos nós de Cabo Verde?
Como podemos saber se não nos damos conta nem das vidas das pessoas que moram nos bairros e vilas ao nosso redor?
Depois de alguns anos, viajo para uma cidade próxima e sigo por uma estrada pela qual não andava há muitos anos, uma rodovia que corta os subúrbios de várias cidades da região metropolitana. Quase não acredito no que vejo. Onde antes havia campos e fazendas, agora há casas e mais casas, ruas e mais ruas, que se estendem para além de onde a vista alcança. Por alguns segundos, percebo um mundo que é muito maior do que minha mente e meu coração. Ali não há apenas casas e ruas: são milhares de consciências, com seus desejos, sonhos, temores e lembranças, milhares de pessoas que eu e tu solenemente ignoramos e para as quais igualmente não existimos. Elas vivem, como eu e tu. Elas existem.
Cabo Verde está tão longe... Quinhentos quilômetros separam o arquipélago da costa da África. A África estão tão longe... As 18 ilhas de Cabo Verde parecem perdidas no meio de um Atlântico que nos é puro desconhecimento. Fogo, Maio e Sal são os breves nomes de algumas das ilhas onde habitam cerca de 420 mil almas. Que sabemos deles?
Neste exato momento, fim de noite de domingo aqui, a madrugada de segunda flui lentamente sobre as áridas ilhas de Cabo Verde. Na imensidão da noite, na imensidão do Atlântico, Cabo Verde parece um sonho, um exercício de imaginação. Mas para a criança que acorda neste instante para tomar um copo d'água em Assomada, um pequeno povoado no interior da ilha de Santiago, nada é mais real que seu copo, sua casa, sua família, sua pobreza talvez, sua ilha. Para essa criança, eu e tu não existimos. Estamos muito além de sua consciência e de seu coração. Para bilhões de pessoas deste planeta, eu e tu não passamos de ilhas longínquas, quase imaginárias, perdidas no oceano da vida. Somos Cabo Verde.

06 abril, 2007

Soma FM: uma rádio

Deve fazer uns seis anos que tenho banda larga e, nesse tempo, a rádio que mais sintonizo para escutar música é a Soma FM, mais especialmente um dos canais desse portal de rádios web com 24 horas de música sete dias por semana: a Groove Salad. Essa emissora se autodefine como sendo "a nicely chilled plate of ambient beats and grooves". Em minhas palavras, é uma rádio que toca um som ambiental contemporâneo que cobre a intersecção entre o new age, a música eletrônica, o rock progressivo, o groove. Não é, em geral, música para se dançar, mas música para se ouvir, para se degustar. Música que serve como a trilha sonora para o meu dia-a-dia.
É difícil encontrar, em lojas brasileiras, algum CD dos grupos que tocam nessa emissora: há desde neo-zelandezes (como o grupo Patio), italianos como The Dining Rooms até alemães como Ulrich Schnauss ou Barbara Morgenstern. Vale a pena também citar The Gentle People, Neotropic, Afterlife, Millenia Nova, Leggobeast, Lemongrass, Jens Buchert, Blackfish, The Verbrilli Sound, AKMusique e Marconi Union.
Há tanta coisa detestável no mundo real e no mundo digital neste início de milênio, mas poder escutar em São Leopoldo uma rádio assim, com som perfeito, embora ela se localize num subúrbio de San Francisco, na California, é uma das vantagens de se viver no século XXI.

18 março, 2007

O Sul

Encanta-me o poema O Sul, de Jorge Luis Borges, escrito quando esse imortal escritor argentino começava sua carreira:

O SUL

De um dos pátios ter olhado
as antigas estrelas,
do banco da
sombra ter olhado
essas luzes dispersas
que minha ignorância não aprendeu a nomear
nem a ordenar em constelações,
ter sentido o círculo da água
na secreta cisterna,
o odor do jasmim e da madressilva,
o silêncio do pássaro adormecido,
o arco do saguão, a umidade
- essas coisas são, talvez, o poema.

Poema colhido no livro Fervor de Buenos Aires, originalmente publicado em 1923.

20 fevereiro, 2007

Sobre a felicidade

Steven Pinker, em seu livro Como a mente funciona (Ed. Companhia das Letras, 1998), dedica algumas páginas (410 a 414) à questão da felicidade.
Ele cita dois psicólogos (David Myers e Ed Diener) que fizeram ampla pesquisa sobre a sensação de felicidade entre norte-americanos ao longo das últimas décadas:
E Myers e Diener observam: "Em comparação com 1957, os americanos possuem duas vezes mais carros por pessoa - além de fornos de microondas, televisores coloridos, videocassetes, aparelhos de ar condicionado, secretárias eletrônicas e 12 bilhões de dólares de tênis de marca novos por ano. Então, os americanos esstão mais felizes do que em 1957? Não estão."
Em um país industrializado, o dinheiro compra apenas um pouco da felicidade: a correlação entre riqueza e satisfação é positiva, porém pequena. Ganhadores de loteria, depois de passar a comoção da felicidade, retornam a seu estado emocional anterior. Do ângulo mais positivo, isso também acontece com pessoas que sofreram perdas terríveis, como paraplégicos e sobreviventes do Holocausto.
(...) O estudo da felicidade muitas vezes lembra um sermão pregando valores tradicionais. Os números demonstram que os felizes não são os ricos, privilegiados, saudáveis ou bem-apessoados; são os que têm cônjuge, amigos, religião e um trabalho instigante e significativo. Essas constatações podem ser exageradas, pois aplicam-se a médias, não a indivíduos, e porque é difícil desenredar causas e efeitos: ser casado pode fazer você feliz, mas ser feliz pode ajudá-lo a casar-se e manter-se casado. Mas Campbell (um pioneiro da psicologia evolucionista) fez eco a milênios de homens e mulheres sábios quando resumiu o resultado de sua pesquisa: "A busca direta da felicidade é uma receita para uma vida infeliz."
Penso no que dizem Pinker e Campbell e me despeço com uma pergunta: se eles têm razão, será que muitos de nós não teríamos de mudar o rumo de nossas vidas?
Até a próxima.

09 fevereiro, 2007

Pedaços

Alimentamos a ilusão da continuidade. Observamos a natureza, e em tudo vemos coesão. Uma semente se transforma em broto, que se transforma em árvore. A fina areia do universo escoa em infinitas ampulhetas por bilhões de anos desde o BigBang... e então temos a Terra. Mais alguns bilhões de anos de evolução, e um organismo unicelular vai se diferenciando, ganhando complexidade, até transformar-se no homem. Pensamos sobre nossa existência e acreditamos existir uma linha conectando cada segundo de nossas vidas, não deixando nenhum momento de fora. As narrativas são assim: romances, filmes, novelas de televisão. Um fato conduz a outro. Causa e efeito. E, na mão de quem desenha a linha, um sentido – um propósito.
Nossos sentidos percebem continuidade. Nossa mente sente-se permanente: sou, essencialmente, o mesmo de um ano, de vinte anos atrás. É da percepção dessa continuidade que se forma nossa sensação de identidade. A vida não pode ser descontínua, pensamos. Meu pensar, meu sentir não podem ser fragmentados, pois, se assim fosse, quem seria eu, quem seríamos nós? Fragmentos que têm uma ilusão de unidade?
Mas é preciso considerar que a verdade segue seu próprio caminho, e não as auto-estradas que preparamos para ela. O fato de que nós sentimos e desejamos uma continuidade não significa que ela exista.
Nossa percepção de cores e sons é limitada pelos nossos sentidos: há cores e sons que nos escapam. A realidade, para cada um de nós, é moldada pelos nossos sentidos e nossos pensamentos. Nossa mente está programada para enxergar continuidade: não fosse assim, como conseguiríamos atravessar a rua ou dirigir um carro? Nós somos tempo: relógios que pensam. Consciência é tempo, tempo é continuidade.
Tentemos deixar momentaneamente nossas mentes de lado. É impossível, mas vamos fazer de conta. Tentemos enxergar o mundo sem nossos pensamentos e desejos... Talvez vislumbremos a possibilidade – “absurda, sem sentido”, diríamos todos nós em coro – de que cada instante é ele próprio, sem nenhum fio que o ligue ao instante anterior e ao próximo...
Sob essa perspectiva, que deixarás de lado tão logo termine de ler este texto, cada instante da minha e da tua vida é completo em si mesmo, não um pedaço que se liga a outros. Instantes soltos, que nascem e morrem antes de serem sentidos. A vida: uma fonte de instantes, brotando incessantemente – o paradoxo da contínua descontinuidade. Se for assim, cada um de nós é, sem saber, o narrador de sua própria vida, tentando incessantemente conectar um instante no outro, costurando-os com o fio de nossas esperanças e crenças. O grande (e inconsciente) propósito de nossas vidas seria, então, o de buscar continuamente que a junção desses fragmentos componha uma narrativa, dando às nossas existências um sentido de que precisamos ardentemente mas que não existe fora de nós.