12 agosto, 2006
Garota ateniense
Essa garota existiu. Seus pais, seus irmãos, seus tios, filhos, netos também existiram. Mas, vê só, tu nada sabes dela, ninguém nada sabe dela ou de sua família. Onde está seu túmulo? Onde está uma referência a ela num livro de história clássica? Nada sobrou de sua existência que tenha chegado à nossa consciência. É verdade que parte de suas cinzas se transformaram mais tarde em videiras, que se transformaram em uva, em vinho, que foi bebido por outra garota, que deu a luz a mais uma moça, num ciclo sem fim. É verdade que o que ela disse ou fez influenciou o pensamento ou o destino de muitas pessoas que com ela conviviam. Mas também é verdade que sua vida se perdeu na história, os rastros de sua existência foram se apagando ao passar de cada segundo, de cada minuto, sob o peso das ações e pensamentos de bilhões de seres humanos que nasceram e morreram depois dela.
Tu me perguntas o que tens a ver com essa menina. E eu te digo que talvez, daqui 2500 anos, tu sejas a garota ou o garoto cuja existência não passe de uma hipótese no raciocínio de gente especulando sobre a passagem do tempo. Pensando bem, não será toda a humanidade, daqui milhões ou bilhões de anos, também uma garota ateniense na história do universo?
05 agosto, 2006
Sem nós
Uma árvore projeta sua sombra sobre um gramado ao sol do meio-dia, mas ninguém está lá para ver nem árvore nem sombra. E no entanto elas existem tão concretamente como a cadeira em que tu te sentas agora. O vento acaricia as folhas da árvore solitária, mas não há ninguém para escutar o doce murmúrio desse suave contato. Não há idéia de árvore. Há apenas árvore. Não há sensação de vento. Apenas vento.
Também não há vitória ou derrota, ambição ou humildade, desejo ou resistência. Há apenas vida, sem mim, sem ti. Vida sem nós.
11 junho, 2006
Mais uma segunda?
E se me perguntas qual o sentido de tudo isso, é claro que eu não consigo encontrar resposta - o que não significa afirmar a ausência de sentido. Tenho comigo, porém, um pouco de talvez: sim, talvez não devamos ficar buscando o sentido da vida, mas atribuir um sentido às nossas vidas.
Nesse meio tempo, a noite que caía tomou conta de tudo. As nuvens se dissiparam, e a escuridão de um espaço pontilhado de estrelas é o manto que cobre nossas inquietações e esperanças.
27 maio, 2006
Lugares e momentos
Lugares e momentos para se contemplar:
- A madrugada ensolarada de final de junho em Tromso, na Noruega.
- As pessoas e as casas num meio de tarde em Antananarivo, capital de Madagascar.
- Um eclipse total de sol, como o que eu vivi em Santa Catarina, em novembro de 1994.
- O silêncio e a imensidão dos Andes, a 3200 metros de altura, perto de Santiago do Chile.
- Uma chuva de meteoros riscando o escuro céu de um recanto afastado, em Lomba Grande.
- O Monte Wellington impondo sua presença sobre Hobart, a capital da Tasmânia.
- Um cometa com majestosa cauda, visível a olho nu, mesmo numa grande cidade, como o Halley de 1910.
- O tradicional nevoeiro se dissipando na manhã de Walvis Bay, na costa da Namíbia.
- A pacata vida matinal de Vélez Rubio, perdida entre Granada e Alicante, na Espanha.
- O suave vento que percorre o deserto vermelho das planícies marcianas.
02 abril, 2006
Um pouco de poesia e mistério
17 março, 2006
Saber o futuro
O que pensas do futuro? Ele te preocupa? Queiras ou não, tens em ti a consciência humana, que nos faz ver para além ou para aquém do agora. Graças a ela, o presente momento quase nunca é inteiro: parte da nossa mente está sempre enredada nas teias do passado ou tateando as incertezas do futuro.
Por uns momentos, deixemos o passado um pouco de lado, fiquemos apenas com o futuro. Mantemos com ele uma relação ambivalente: frente a um agora sombrio, a esperança no futuro nos consola; porém, o receio do que poderá acontecer amanhã pode nublar o céu azul que nos cobre neste momento. Alguns são menos sensíveis às incertezas da vida, mas muitos de nós - e talvez tu estejas entre eles - se preocupam por não saberem como serão os próximos dez anos ou mesmo como será o dia de amanhã.
As preocupações são criativas e vivem de mãos dadas com a imaginação. Talvez já tenhas pensado em como seria bom saber o que vem lá à frente. Não digo cogitar, digo saber: ter a certeza. Se vieste comigo até aqui, avancemos um pouco mais: imagina que soubesses tudo a priori: cada segundo de tua vida futura conhecido da mesma forma como todos os segundos já vividos por ti. Seria uma vida sem prazeres inesperados, mas também sem frustrações. Ela estaria toda em tua mente, como uma biografia que lemos e relemos até sabermos de cor. Mas, pense bem, antes de sonhar em ter todo esse poder... O futuro apareceria para ti como uma montanha de pedra, imóvel, surdo a todos os apelos para que fosse diferente. O presente continuaria impuro, pois o amanhã estaria sempre em tua mente, não como cogitação, mas como certeza.
Ser humano, ou seja, ter consciência, é a grande tragédia, mas também o grande desafio de cada um de nós. Eis aí a grandeza da humanidade, condenada a poder conceber as mais engenhosas utopias e ao mesmo tempo obrigada a conviver inexoravelmente com os limites do agora e as dúvidas acerca do amanhã.
É por isso que eu te digo: é melhor ser simplesmente humano e viver a beleza de tentar moldar o futuro, de consegui-lo algumas vezes, de se decepcionar outras tantas. Fazendo isso, talvez possamos ver o encanto e o mistério de viver uma história que é escrita à medida que é vivida, uma história que é tanto mais heróica quanto menos garantias temos do que vem à frente.